Autismo e dupla excepcionalidade
- kylquintela
- 4 de abr. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de abr. de 2022

Ser ou não ser... autista.
O que The Big Bang Theory e Young Sheldon têm em comum? Acertou quem disse muito humor, sarcasmo, ótimo roteiro e Sheldon Cooper, de quem falaremos mais nas linhas que seguem. Afinal, Sheldon é ou não é autista?
Em The Big Bang Theory acompanhamos a história do Sheldon adulto, doutor e pesquisador em física teórica na CalTech, enquanto Young Sheldon mostra a infância do pequeno gênio, no interior do Texas.
Sheldon é uma criança superdotada que graças às políticas educacionais dos Estados Unidos não passa despercebido e consegue avançar nos estudos formais, ingressando na universidade aos 11 anos de idade. A série que apresenta a sua infância peculiar mostra um Sheldon extremamente inteligente, questionador, obstinado, seguro de si, mas ao mesmo tempo desajeitado socialmente. Adicionalmente, é possível identificar no personagem algumas fobias, principalmente ao toque (afefobia) e um medo acentuado de ver sangue (hematofobia).
Quanto à sua falta de destreza para a interação social, isso é indiscutível, característica que rivaliza em intensidade com a marcada necessidade de manter sua rotina, além disso, apresenta dificuldade para identificar e expressar suas emoções, bem como para compreender os sentimentos alheios, interesses restritos e hiperfoco. Seu comportamento frequentemente demonstra uma quase que completa ausência de flexibilidade cognitiva, o que não raro o coloca em situações de acentuado estresse e desentendimento com seus pares. Mas, mais do que tudo, Sheldon é visto como uma figura excêntrica.
Temos um diagnóstico de autismo? Bem, critérios ele preenche, mas seu criador, Chuck Lorre, insiste que Sheldon não é autista, é “apenas Sheldon”. Perfeito. Como bem diz Oscar Wilde “Definir é limitar”.
Mas relutar em levar seu personagem que, no mínimo, tem suspeita de autismo (ou outra condição), a uma avaliação médica apurada pode gerar confusão nas mentes das pessoas que lidam com o tema. Como assim, Sheldon não é autista? Então os critérios para diagnóstico vigentes não servem para o caso em particular, ou o Chuck está em um processo de negação, talvez “psicofobia”?
Vamos em frente, que esse assunto é polêmico.
Sabe-se que alguns superdotados podem manifestar sinais e sintomas que são comuns a autistas, principalmente em relação a interação social e interesses restritos, entretanto, essas manifestações não se apresentam como déficits – como no caso do autismo -, mas como uma consequência por estarem intelectualmente em um patamar bastante distinto da maioria das pessoas, o que pode dificultar a interação e suscitar falta de interesse no contato social e em outros temas.
Já mencionei anteriormente que não é incomum ver pessoas difundindo uma falsa crença de que o autismo está associado a uma inteligência acima da média, mas não há evidências científicas que sustentem essas alegações. Propagar uma informação que pode gerar confusão e falsas expectativas na comunidade é desserviço. Hoje entende-se que a maioria dos autistas estão entre o nível 2 e 3 de suporte (talvez por haver maior dificuldade, ou resistência, para identificação do autista de nível 1 – mas isso é apenas suposição. O fato é que não sabemos o porquê dessa apresentação) e que a maioria dos autistas apresentam inteligência dentro da média, outros cursam com déficit no desenvolvimento intelectual e alguns não conseguem ter essa característica mensurada.
Os casos em que autistas apresentam altas habilidades/ superdotação (AH/SD) não parecem, à luz das evidências, estarem associados diretamente o autismo. A partir daqui, chamaremos essa combinação de autismo com AH/SD de dupla excepcionalidade.
Estudos apontam que a prevalência de AH/SD em autistas não supera a prevalência na população geral. Dessa forma, podemos compreender a dupla excepcionalidade como exceção e não regra em relação ao TEA.
Como já mencionei anteriormente, pessoas superdotadas podem ser confundidas com autistas de nível 1, mas, necessariamente, essas pessoas terão uma inteligência acima da média e não apresentarão déficits no neurodesenvolvimento. O quadro abaixo, adaptado de (DE SOUSA SOARES e OLIVEIRA, 2020), compara as características pertinentes à dupla excepcionalidade, AH/SD sem associação com TEA e TEA sem associação com AH/SD. Ressalto que o tema é complexo, objeto de vários estudos, e não se limita às informações aqui apresentadas.

E então, Sheldon Cooper é ou não é autista? Autista e gênio, eu diria. Mas não posso inferir um diagnóstico sem uma avaliação direta (embora eu tenha acompanhado o personagem desde a sua infância até a nomeação do prêmio Nobel). Fato é que ambas as séries são muito divertidas e inteligentes e vale à pena conferir. Bazinga!
Ao final, indico algumas leituras mais recentes, em Português e de fácil compreensão para quem quer pesquisar mais sobre o dupla excepcionalidade.
Recado para os pais e responsáveis e para os adultos que, de alguma forma, se identificam com o que foi exposto, na dúvida, procurem uma avaliação médica e avaliação neuropsicológica. Um diagnóstico assertivo e as terapias individualizadas podem fazer uma enorme diferença na sua qualidade de vida, independente da idade.
Referências
CIPRIANO, Jailson Araujo; ZAQUEU, Lívia da Conceição Costa. A dupla excepcionalidade altas habilidades/superdotação associada ao transtorno do espectro autista: compreendendo as especificidades. Conjecturas, v. 22, n. 1, p. 1023-1041, 2022.
DE SOUSA SOARES, Larissa; OLIVEIRA, Geane Silva. SÍNDROME DE ASPERGER: MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E SUA RELAÇÃO COM A DUPLA-EXCEPCIONALIDADE. Revista Interdisciplinar em Saúde, Cajazeiras, 7 (único): 551-562, 2020, ISSN: 2358-7490.
FERREIRA, Regiane. Proposta metodológica de investigação da dupla excepcionalidade: precocidade e transtorno do espectro autista. 2019. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/182190>
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