Mês da Conscientização do Autismo
- kylquintela

- 1 de abr. de 2022
- 6 min de leitura
Atualizado: 1 de mai. de 2022

Abril foi eleito em 2007, pela Organização das Nações Unidas, como o mês dedicado à conscientização do autismo. Certamente, muitos já se depararam com os termos “autismo”, “autista”, “espectro autista”, “Síndrome de Asperger”, entre outros. Mas o que tudo isso significa, realmente, e por que precisamos falar sobre o tema? 1. Estima-se que cerca de entre 1 e 2% da população mundial tenha autismo. E essa é uma prevalência significativa. 2. "Autismo inspira polêmica", fato, além de mitos e uma série de desinformações. Desde "teorias da conspiração" em que, ainda hoje, se divulgam FALSAMENTE que vacinas causam autismo (até o momento, não há nenhum estudo que indique causalidade entre vacinação e autismo), até discussões sobre qual símbolo utilizar (se o quebra-cabeça, se a fita com quebra-cabeça, se o símbolo do infinito multicolorido...), quem é "mais" ou "menos"autista e alegações (quase glamourizadas, bastante sensacionalistas, por vezes irresponsáveis, que podem proporcionar falsas expectativas, desconforto e confusão) de que autistas são "pequenos gênios" (quando não se estabelece relação direta entre o espectro e a presença de altas habilidades/superdotação, embora possam estar presentes simultaneamente, em um percentual pequeno de casos - a isso chamamos dupla excepcionalidade - mas é um assunto para outro momento) .
Suponhamos que autistas “sempre” existiram (sei que “sempre”, considerando sua principal definição, talvez soe inapropriado, pois teríamos que provar que o autismo está presente na nossa espécie desde o surgimento do primeiro humano – mas vamos abstrair e adotar o “sempre” como “sabemos que existe há muito tempo, mas não temos a menor ideia de quando e como exatamente surgiu”) e que ao longo da história foram invariavelmente taxados como amaldiçoados, possuídos, “loucos”, psicóticos, gênios, estranhos, isolados, "antissociais", tímidos, excêntricos, arrogantes, entre outros adjetivos/diagnósticos que expressam o quão pouco sabíamos acerca dos transtornos mentais - de um modo geral -, e aqui, especificamente, do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ressalto que não estou acusando nada, nem ninguém, pela forma como os (supomos) autistas eram vistos décadas, séculos, milênios atrás, pois a maneira como enxergamos o que é “diferente” é particularmente influenciada pelos contextos histórico e cultural, e pelo grau de conhecimento científico, neste caso, médico, de cada época. O que nos leva ao momento atual e a importância da divulgação de informações precisas sobre assuntos relevantes.
Mas, então, o que é autismo?
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, versão 5 (DSM-5), classifica o Transtorno do Espectro Autista no grande grupo de Transtornos do Neurodesenvolvimento, o que significa que a condição ocorre durante o período de neurodesenvolvimento, comumente na primeira infância (sendo assim, temos uma das condições para o diagnóstico do TEA). (APA, 2014)
O Autismo propriamente dito:
Considerando-se o DSM-5 e as versões 10 (ainda vigente) e 11 (vigente, em processo de implantação) da Classificação Internacional das Doenças (CID-10 e CID-11), o TEA é caracterizado por “déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, incluindo déficits na reciprocidade social, em comportamentos não verbais de comunicação usados para interação social e em habilidades para desenvolver, manter e compreender relacionamentos. Além dos déficits na comunicação social, o diagnóstico do transtorno do espectro autista requer a presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.” (APA, 2014)
Ao contrário do que há alguns anos se pensava, e ainda vejo em algumas publicações recentes, o atraso no desenvolvimento da fala (ou o não desenvolvimento desta) não é critério para diagnóstico de autismo (embora possa estar e esteja presente em muitos casos). Em suma, para a suspeita do TEA é preciso que estejam presentes: A. déficit persistente na comunicação social e na interação social e B. padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades; associados a C. sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento, D. sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente e E. Essas perturbações não são mais bem explicadas por transtorno do desenvolvimento intelectual ou por atraso global do desenvolvimento. (APA, 2014)
Esses são os critérios para diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista. Há ainda especificadores que devem ser identificados, como o nível exigido de suporte (níveis 1, 2 e 3) e presença ou ausência de comprometimento intelectual. (APA, 2014)
Embora se apresente ainda na infância, nem todos os autistas foram diagnosticados nessa época, é importante ter em mente que a maioria das pessoas cresce e algumas envelhecem, de modo que, assim como precisamos estudar e falar sobre autismo na infância, devemos buscar compreender e debater o autismo no adulto e nos idosos. Devido a uma série de fatores como desconhecimento, preconceitos, mascaramento de sinais e sintomas, entre outros, muitas pessoas não receberam o "diagnóstico precoce" de TEA, o que se reflete no aumento do número de diagnósticos de autismo em pessoas já na idade adulta.
E como ficam aquelas pessoas que tiveram seu diagnóstico baseado na CID-10?
Todas as pessoas que tenham os seguintes diagnósticos, conforme CID-10 (DSM-4): autismo infantil precoce, autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger, são, de acordo com o DSM-5 e CID-11, pessoas com Transtorno do Espectro Autista. (APA, 2014)
"Ah, mas eu sou Asperger"- ok, mas é autista, também. Por sinal, há uma polêmica sobre o termo Síndrome de Asperger, que tem estimulado o abandono do seu uso, após algumas revelações acerca de Hans Asperger, médico homenageado com o nome da síndrome (mas isso é história para outro momento).
Principais diagnósticos diferenciais:
Síndrome de Rett (que até a versão 4 do DSM estava inclusa entre os transtornos do espectro autista), mutismo seletivo, transtorno da linguagem e da comunicação social, transtorno do desenvolvimento intelectual sem transtorno do espectro autista, transtorno do movimento estereotipado, transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). (APA, 2014)
Principais comorbidades:
Como observado em muitos transtornos mentais, o TEA pode apresentar uma série de comorbidades (ocorrência simultânea de duas ou mais condições médicas), sendo as principais: TDAH, transtornos depressivos e transtornos de ansiedade. (APA, 2014)
Tudo bem que esse tanto de informações serve de guia para que os médicos e outros profissionais da saúde possam identificar casos de TEA, mas como saber se eu, meu filho, minha filha, meu irmão, meu sobrinho, meus pais, meus avós, etc, têm transtorno do espectro autista?
O diagnóstico é clínico e tem por base os critérios vigentes, que foram aqui indicados. Embora haja uma série de estudos que buscam identificar um marcador, um exame, que possam indicar o diagnóstico de TEA, ainda não há resultados relevantes e que possam ser extrapolados para a prática clínica. No entanto, o médico pode (e deve) solicitar alguns exames que possam ser utilizados para descartar outras condições que apresentam sinais e sintomas semelhantes ao TEA (cada caso deve ser individualizado) e avaliações neuropsicológicas podem apresentar uma melhor “fotografia” do quadro, se tornando uma importante aliada para o diagnóstico. E quem pode dar o diagnóstico de TEA (é uma pergunta que eu sempre vejo por aí)? Qualquer médico habilitado pode diagnosticar a condição e atestar/relatar/laudar o quadro. “Ah, mas tem que ser o neurologista, o pediatra, o psiquiatra, o neuropediatra, o psiquiatra infantil, senão, o documento não é aceito para outros fins.” Não! Qualquer médico devidamente habilitado, que tenha avaliado o caso e diagnosticado a condição pode e deve emitir a documentação que ateste o TEA. Claro que há especialidades que estão mais intimamente relacionadas ao tema, mas a habilidade para atuar com pacientes autistas vai variar de acordo com cada profissional (lembrando que não existe, conforme normas do Conselho Federal de Medicina – CFM -, “especialista em autismo” - “autismo” não é uma especialidade médica. Mas há médicos que estudam o tema de forma mais aprofundada e têm uma experiência relevante na condução de casos de autismo – o que não lhes dá o direito - novamente, conforme normas do CFM - de se identificar como “especialista em autismo”, uma vez que tal especialidade não existe).
Se você é pai, mãe, tio(a), professor(a), amigo(a), etc, e acha que uma criança/adolescente, ou até você mesmo, tem sinais que sugerem TEA, oriente a buscar e/ou procure uma avaliação médica. Conhecer o diagnóstico, os tratamentos (e os direitos do autista) é importante para que se minimizem os prejuízos sociais e funcionais e que o autista e as pessoas diretamente envolvidas tenham melhor qualidade de vida.
E é claro que o TEA vai muito além de tudo o que falamos até aqui, vai muito além dos textos científicos, das opiniões de especialistas, da comunidade médica. O autismo é uma condição que precisa ser, também, compreendida de forma individualizada, pois cada autista, embora compartilhe dos critérios para o diagnóstico, tem suas peculiaridades e sua história que precisam ser vistas, consideradas e respeitadas.
O objetivo desse texto é informar, conforme protocolos e recomendações médicas, sobre temas pertinentes ao Transtorno do Espectro Autista. Tem caráter meramente informativo e não deve ser utilizado como referência para diagnósticos individuais e/ou coletivos.
Referência
American Psychiatric Association. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora, 2014. 8582711832.
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